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João Eichbaum

Da arte de escrever mal

Na semana passada, chamou a atenção essa manchete do Estadão: "Ketamina: cresce o uso de analgésico para cavalos em baladas e golpes".
Se alguém entendeu, levante a mão.
Sim, em parte dá para entender: cavalos frequentam baladas mas, para isso, precisam usar analgésico. Será que sentem dores lá nas baladas os cavalos? Mas, então, o que é que vão fazer lá, se aqueles ambientes lhes causam mal estar? Será a música sertaneja? Será o funk pesadão?
Vocês já imaginaram uma balada cheia de cavalos? Será que eles levam as respectivas éguas para as baladas, ou se divertem com as éguas dos outros?
Estão achando isso um absurdo? Mas, é o que está escrito na manchete do Estadão. Dá para entender outra coisa que não seja isso, que cavalos frequentam baladas, mas só na base de analgésicos e que, por tal motivo, está crescendo o uso desse tipo de medicamentos?
É isso que se entende: cavalos frequentam baladas e usam analgésico. Mas e os golpes? Cavalos dão golpes? Golpes, propriamente, não. Coices, isso sim é o que eles dão. E no frigir dos sinônimos, coice não deixa de ser golpe.
Não seria "galopes", que é uma coisa própria de cavalo, e o digitador se perdeu nas letrinhas?
Nada disso. O nó, que essa manchete dá nos neurônios de quem domina o vernáculo, se desmancha aos olhos quem lê todo o texto. A notícia quer dizer o seguinte: tem gente que faz uso do analgésico conhecido como Ketamina, para atingir o orgasmo moral que os estupefacientes provocam, levando ao climax daquele "pode tudo", que a inibição trava, com a sensação de que o corpo paira no ar e o mundo que se exploda. E não é em casa que o sujeito quer sentir isso, e sim na balada.
Mas, sim, e os golpes? Ah os golpes são dados pelos aproveitadores de quem se entrega aos efeitos alucinógenos da droga e a usa como recreação. Aí, não só estupros, como as mais variadas perversões sexuais são praticadas contra os usuários do analgésico, além de furtos de carteiras, celulares, etc.
Detalhe: a Ketamina, conhecida também como Cetamina, é utilizada tanto como analgésico em procedimentos cirúrgicos humanos, como em tratamento na espécie equina. Daí se aproveitou o Estadão. Mas, a necessidade de produzir sensacionalismo, mostrou o outro lado: a falta de profissionais competentes na imprensa.
Antigamente só praticado por quem tinha intimidade com a arte da escrita, como manifestação de talento literário, o jornalismo sofreu reviravoltas com a obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão. Resultado: gente sem a mínima aptidão no trato com as letras, mas portando diploma de jornalista, é aproveitada, e dá nisso que mostra a manchete do Estadão. Sem falar nos estagiários, cuja mão de obra a preço vil, é sempre bem-vinda para empresas que andam mal das pernas.
E não vale a pena investir em quem sabe escrever, num país onde a maioria alimenta sua pobreza intelectual, lendo o facebook e o Instagram...

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