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João Eichbaum

O POVO E O ESTADO

O Informe Especial da Zero Hora é um espaço que funciona como caleidoscópio. Ali giram notícias, comentários, gratuitos encômios, alguma cantilena poética ou filosófica, e até preleções sobre o comportamento humano. 

Na semana passada, a responsável pela referida página se debruçou sobre procedimentos da plebe no curso da avassaladora enchente que desgraçou o Rio Grande do Sul. “Assim que a água subiu, cobrindo áreas extensas, inclusive zonas urbanas populosas nunca antes atingidas, duas frases viralizaram no mundo virtual e no mundo real: “civil salva civil” e “o povo pelo povo”- escreveu ela, à guisa de premissa para sua dissecação sobre o comportamento do povo nas redes sociais.  

Como não poderia criticar as ações de solidariedade às quais se entregou considerável parcela da população, a jornalista acenou primeiro com ligeira apologia. Assim: “O heroísmo e a força dos voluntários foram e continuam sendo imensos. Sem o apoio dessas pessoas, em sua maioria gente anônima movida pelo desejo genuíno de ajudar, a tragédia que vivemos seria, com toda a certeza, muito pior”. Mas, a seguir, travestida de preceptora, considerou os frequentadores das redes sociais como um povo que se deixa governar pelo juízo de sofismas mal colocados: “só que, por trás das frases lacradoras, que fazem tanto sucesso nas redes sociais, há uma armadilha retórica”. E advertiu: “palavras têm força”. A partir daí, a comentarista se entrega a um raciocínio exegético certamente mais consentâneo com a linha editorial ou financeira do jornal: “quando alguém repete, de peito estufado, em uma live, ou seja lá onde for, que ‘civil salva civil’ está, de certa forma, dizendo que o Estado não é só desnecessário como não é bem-vindo”. 

Qualquer pessoa ligeiramente alfabetizada sabe que “civil” é uma denominação usada em oposição a “militar”. E ninguém ignora as reflexões desafáveis, que pululam nas redes sociais, sobre as Forças Armadas. Como consectário, a expressão “civil salva civil” significa que as Forças Armadas não eram tidas como efetivas, entre os que procuravam salvar os arruinados na sorte. 

Só alguém banido do controle de suas faculdades mentais, diria que o Estado é “desnecessário” ou “não é bem-vindo”. Em lugar nenhum do planeta se dispensa o Estado, seja qual for o regime que o sustenta. A interpretação enviesada da jornalista a impede de ver, na manifestação mencionada, candente crítica à incapacidade do Estado em administrar uma catástrofe de tamanhas proporções, como essa. Tanto assim é que os cidadãos desarmados foram os que, desde a primeira hora, se empregaram na espinhosa missão de salvar o próximo. Com eles, bombeiros voluntários e bombeiros de outras regiões do país aqui aportaram com a técnica e os instrumentos adequados para tal missão, porque os bombeiros mal remunerados do Estado gaúcho não seriam suficientes em número para prestar assistência plena a todas as vítimas. 

 O Estado propriamente dito, essa instituição representada por pessoas eleitas com a finalidade explícita de administrar o bem comum, fez somente o que tais pessoas sabem fazer sempre: discursos, promessas de verbas, abraços e beijos... 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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