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Em busca do tempo perdido ( Nilo Rossell Romero)

Márcia Sousa imagem ilustrativa - fireção ilustrativa - Impávidos cães de ferro fundido adornam prédio histórico Crédito: Márcia Sousa


Por dentro do Palacete Pedro Osório

Parte 2

Com um pouco de imaginação, não seria difícil imaginar o escritório com seus pesados móveis. Imagens que vem a cabeça de Seu Carlos Alberto e que, com um pouco de poesia e criatividade, podemos muito bem modulá-las em nossa própria alma.

     Era para o escritório que se derivavam as visitas de cerimônia. Imaginemos a sobriedade das madeiras com a pompa e circunstância dos estofados. Certamente nos depararíamos com belos quadros e augustos livros. Onde teriam parado os livros da biblioteca do Dr. Pedrinho? Aliás, muito pouco se sabe mesmo do próprio livro de sua autoria, "Mentiras Religiosas". Com tal título, não é difícil de se imaginar, em tempos tão conservadores como aqueles do início do século vinte, a controvérsia que se estabeleceu em nossa cidade. Era o Dr. Pedrinho um iluminista, um "homme de lettres", um arauto da modernidade e, com certeza, da " francofilia" onde fora "berçado".

A paz negociada

     Mais do que um mero aposento, esta sala funcionava como uma verdadeira sala de visitas de toda a cidade. E foi bem aqui que a paz da Revolução de 1923 começou a ser negociada, com a presença de grandes nomes como Assis Brasil - que era hóspede da casa - além de Zeca Netto, Honório Lemes, Estácio Azambuja, Menna Barreto, Ângelo Pinheiro Machado e do Ministro Setembrino de Carvalho.

     Paz que, é sempre bom lembrar, nada mais fez do que cimentar a união para que se produzisse, alguns anos depois, a própria Revolução de 30. Que, por sua vez é, por muitos, considerada como a própria invenção do Brasil moderno.

     Mas, naqueles anos quarenta do século passado, quando Seu Carlos Alberto naquela casa morava, o Dr. Pedrinho já havia há vinte anos falecido. Aliás, na maior efeméride da casa, a dita paz de 1923, Dona Faustina já era mesmo viúva. E foi para fazer companhia à Dona Faustina que Seu Carlos Alberto, junto com um casal de tios avós, foi morar naquela casa. Dona Faustina era sua tia bisavó pelo lado materno.

     E era na peça da frente contígua ao escritório, quarto de Dona Faustina, onde esta passava a maior parte de seus dias. Curioso que, além daquele escritório, não houvesse nenhuma outra sala de visitas em toda aquela casa.

     O que passaria pela cabeça daquela recatada dama octogenária? Com que coisas ocupava sua alma aquela senhora tão conhecida pela sua benevolência em toda a cidade? Aquela benemérita que sempre amparou a Santa Casa de Caridade.

     O que é certo é que, se por aqueles idos Dona Faustina ia muito pouco ao mundo, o mundo naquele quarto até ela continuava indo. E era lá que, para que obtivesse a aprovação da patroa, a criada lhe levava mesmo a prova do que à mesa seria servido. Se a patroa aprovasse, à mesa, então, aquilo acabaria indo.

     Era o quarto de vestir, por sua vez, o que separava Dona Faustina do mundo. Ou pelo menos do mundo da Sala de Jantar, que consistia no próximo cômodo da casa em direção aos fundos.

     E era na sala de jantar onde naturalmente eram servidas as iguarias aprovadas pela matrona. Supõe-se que em uma mesa onde talheres reluzentes, cristais translúcidos e guardanapos impecavelmente engomados dividiam espaço com finos pratos de porcelana.

     O repasto iniciava, invariavelmente, com uma sopa, como, aliás, soía acontecer em muitas casas da época - como na casa dos meus avós onde a sopa era o início das refeições nos 365 dias do ano. É que sopa foi sempre a melhor maneira que o gaúcho encontrou de comer salada.

Bons vinhos

     Por entre manjares, utensílios e convivas (imagino que mais bem os íntimos desde a morte do Dr. Pedrinho), bons vinhos era o que, também, nunca faltava nas refeições daquela casa. Os quais vinham diretamente da adega do andar de baixo, que estava sempre guarnecida com os melhores rótulos do mundo.

     Aliás, o subsolo além da adega abrigava o quarto dos tios - na verdade tios avós - do Seu Carlos Alberto e o resto era um mero porão de chão batido. Seu tio era uruguaio e ocupava, na cidade, a posição de vice-cônsul do país vizinho. Sua tia, por sua vez, era sobrinha de Dona Faustina. E era com os três que a viúva compartilhava a mesa em seu cotidiano.

     Entre os convivas mais frequentes estavam, também, o Dr. Félix Contreiras Rodrigues, sobrinho do Dr. Pedrinho e de Dona Faustina, além de seu filho, o Dr. Eduardo Contreiras Rodrigues, que "signe des temps" viera ao mundo em nenhum outro lugar do que a capital francesa. Aliás, Felix era nome de família e entre os outros Felix do clã estava mesmo Félix da Cunha.

     Que igualmente seja dito que, além da política, da intelectualidade e das lides do campo, toda uma tradição militar tinha, também, lugar naquela família. Pois não apenas o pai de Dona Faustina, o Cap. Crispiniano de Contreiras e Silva, havia sido herói da Batalha de Monte Caseros, quando da vitória das tropas do Império Brasileiro na Argentina, como o pai do Dr. Pedrinho era irmão de ninguém menos do que o grande Osório. Do Marquês do Herval. Ou seja, digamos que é muita rua numa mesma casa.


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