João Eichbaum
Um contraste abissal
A humanidade está dividida em dois grandes grupos: os imprescindíveis e os dispensáveis. Naturalmente, essa divisão comporta inumeráveis subdivisões. Entre os dispensáveis, por exemplo, há os indesejáveis.
No Legislativo do Brasil hoje, a maioria tem seu umbigo como o centro do mundo. Legislam em causa própria, presenteiam-se com benefícios imoralmente legais. Pouco se lhes dá o povo, que serve apenas para apelidar de democracia a grande mamata que só sustenta os poderosos. O Executivo só faz discursos e esbanja dinheiro público nas viagens internacionais de luxo do casal Lula-Janja. O Judiciário, além dos mesmos defeitos explícitos do Legislativo, agora está tomando para si as funções dos outros Poderes. Mas unicamente através de ordens, emitidas por ministros postados com poses de príncipes, dispondo de pajens só para lhes ajustar a toga ou empurrar a cadeira.
O país está há várias semanas com as florestas em fogo, devastando a fauna, a flora, e intoxicando o povo. Mas só agora, por uma ordem não autorizada pela Constituição, um ministro do STF determinou a tomada das providências, até então ignoradas por Lula e pela cambada das FG, CC e dos altos salários.
Agora, em ritmo de eleições, ofensas e agressões substituem argumentos. A animalidade se sobrepõe à racionalidade. São os candidatos, ajeitando seus umbigos para mamarem deitados, nas tetas do erário.
Mas, nem tudo está perdido, porque temos pessoas imprescindíveis. Muita sorte teve, nesse sentido, quem leu a crônica do doutor José J. Camargo, na ZH do dia 17. Colunista em fins de semana, ele teve espaço extraordinário, para comemorar os 25 anos do primeiro transplante de pulmão intervivos, por ele realizado.
É uma crônica pungente, obra de quem sabe escrever. Um menino de treze anos, atormentado por grave deficiência respiratória, tinha no transplante sua única chance de sobrevivência. Para isso era indispensável a extração parcial dos pulmões de seus pais. No dia do procedimento “relutei em sair da cama, como se fosse possível adiar o medo que me aguardava lá fora”, escreve Camargo.
Nem os deuses resistiriam sem lágrimas à pungência da cena, na entrada do bloco cirúrgico: “o menino ajoelhado na maca e gritando por falta de ar, a mãe chorando porque filho chorava, e o pai tentando, sem conseguir, acalmar os dois”. E continua o colunista: “foi só naquele momento que tive a exata noção do tamanho da empreitada: íamos operar três pessoas da mesma família... e então, perdida a chance de recuar, fomos em frente... Começada a operação, o nível de concentração sobe, e a adrenalina do medo é substituída pela endorfina que brota espontaneamente da pretensa certeza de que, calma lá, essa cirurgia nós sabemos fazer”.
Na peroração, segue uma confissão que poucos ousariam fazer: “sete horas depois, aliviado e exausto, sentei-me no chão, um jeito pessoal de tratar o cansaço. Quando o Felicetti, parceiro de todas as horas, sentou-se ao meu lado, choramos abraçados”.
Aí está a grandeza duma profissão, embutida na pequenez do homem, provando que, por sorte, há criaturas imprescindíveis para a humanidade.
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