Com o lançamento da campanha Chega de Silêncio, coordenada pela Confederação das Misericórdias do Brasil, gestores e profissionais das 1 824 Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do país realizam uma mobilização nacional para trazer à tona a crise que vem sendo enfrentada pela maior rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS). Em Bagé o movimento tem o apoio da Santa Casa de Caridade. Apesar da mobilização, o hospital não terá paralisação dia atendimentos eletivos nesta terça-feira.
Responsáveis por mais de 51% dos atendimentos aos pacientes do SUS no país, chegando até 70% em alguns tipos de atendimentos, as Santas Casas e hospitais filantrópicos têm um déficit anual superior a R$ 10 bilhões na assistência que prestam ao SUS. Como único serviço de saúde em 824 municípios do país, são hospitais imprescindíveis ao SUS, tudo isso com custos até oito vezes menores que um hospital público federal. Nos últimos seis anos, 315 hospitais filantrópicos fecharam as portas, o que também representa milhares de leitos a menos para os pacientes do SUS.
Desde o início do plano real, em 1994, a tabela SUS e seus incentivos foi reajustada, em média, 93,77%, enquanto o Índice de Preços no Consumidor (INPC) foi em 636,07%, o salário-mínimo em 1.597,79% e o gás de cozinha em 2.415,94%. Para se ter uma ideia da defasagem de valores, Gaúcha ZH demonstrou o que é pago por alguns procedimentos de saúde. Um exame de ultrassonografia, por exemplo, tem um custo de R$ 130 para o hospital. Entretanto, o SUS repassa somente R$ 37,95. Já uma diária em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) custa cerca de R$ 2,8 mil, mas somente R$ 580 são cobertos pelo SUS. O restante desses valores precisa sair dos cofres dos próprios hospitais, que amargam dívidas milionárias.
É o caso da Santa Casa de Caridade de Bagé. Conforme o administrador do hospital, Raul Vallandro, a instituição fechou 2019 com R$ 8 milhões negativos no balanço. O valor do déficit vem diminuindo ano a ano. Em 2021 ele ficou na casa dos R$ 1,7 milhão. “Isso mostra o quanto a Santa Casa tem evoluído. Não deu para equilibrar o hospital ainda, ficar no zero a zero ou até ter um resultado positivo. Mas a gente está caminhando para isso”, acredita o gestor.
Entretanto, um dos grandes entraves para o equilíbrio das contas é justamente a defasagem da tabela SUS. “Em 95% dos procedimentos de saúde médicos que os hospitais realizam o SUS dá prejuízo. O SUS só não dá prejuízo em alguns procedimentos de alta complexidade”, contou Vallandro.
Assim, os hospitais precisam fazer escolhas difíceis, remanejar recursos para contemplar a população. “Entre pagar INSS, Imposto de Renda ou fundo de garantia e comprar medicamentos, tu vais usar o dinheiro para pagar medicamentos para o hospital não parar e vais ficar com essas dívidas tributárias”, afirmou o gestor. Essa situação fica ainda pior nos casos dos hospitais que estão longe dos grandes centros de saúde, como Porto Alegre, Santa Maria e Passo Fundo, por exemplo. Como esses hospitais não costumam trabalhar com procedimentos de alta complexidade, a defasagem de valores se torna uma verdadeira bola de neve
Atendimentos continuam
Segundo estimativa publicada em Gaúcha ZH, ao menos 17 Santas Casas e hospitais filantrópicos do Rio Grande do Sul irão suspender as consultas eletivas nesta terça-feira. Serão mantidos apenas os atendimentos de emergência.
Contudo, a Santa Casa de Caridade de Bagé vai manter todos os atendimentos, sem a paralisação de nenhum serviço. “A Santa casa faz parte desse movimento, mas não vai parar procedimentos eletivos. Isso devido a todo o contexto que nós temos de Bagé e região e dia pacientes que já estavam agendados. Mas o hospital é parceiro desta luta”, explicou Vallandro.
Piso
Outra preocupação demonstrada pelas instituições que representam os hospitais é a aprovação de um projeto. Tramita na Câmara Federal, com votação prevista para os próximos dias, o projeto de lei 2564/20, originário e aprovado no Senado, e que institui o piso salarial da enfermagem. O impacto da proposta para os hospitais filantrópicos é estimado em R$ 6,3 bilhões.
O temor é que o aumento de salário para a categoria seja responsável por aumentar ainda mais a gravidade das finanças dos hospitais. “Ninguém é contra o estabelecimento de piso de uma categoria profissional, pois as pessoas merecem, não é esse o problema. O problema é que nessa situação atual, em que os salários estão nesses patamares menores que o piso que se quer colocar, a situação já é muito difícil, vocês imaginam os hospitais sendo obrigados a reajustar valores de salário para enfermeiros, e talvez até para técnicos de enfermagem, que é o seu grande volume de trabalhadores dentro do hospital. Isso vai agregar um déficit maior do que o que já existe”, finalizou o gestor.
O texto que tramita em âmbito federal institui piso salarial da enfermagem com um valor mínimo de R$ 4.750. O documento ainda prevê que o valor correspondente a 70% do salário dos enfermeiros seja pago aos técnicos de enfermagem; e 50% para os auxiliares de enfermagem e parteiras.