Frei Durval: ‘Vou levar, para sempre, Bagé no meu coração’

Uma das pessoas mais conhecidas na comunidade bageense está de partida para Caxias do Sul, aos 95 anos, e com uma memória de tirar o chapéu. Frei Durval Muraro tem sua trajetória como religioso Capuchinho e sacerdote inserida na história do município e na Diocese de Bagé, onde permaneceu por 66 anos.

Natural de Nova Araçá, chegou na cidade no longínquo ano de 1955, vindo de Santa Maria. O franciscano, que carregava tijolos e preparava a argamassa para erguer uma escola, agora está de partida. Foi ele o responsável por uma das maiores obras sociais que Bagé já teve – o Instituto de Menores.

Na Rainha da Fronteira, atuou também na Cáritas Diocesana, foi capelão do Hospital Universitário e colaborou nas comunidades eclesiais da Paróquia Nossa Senhora da Conceição.

O religioso conversou com a reportagem sentado no primeiro banco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Sorridente, ele disse que o local para entrevista não poderia ser melhor. “Aqui na frente do presépio natalino e nessa igreja que eu vi nascer, porque eu presenciei a demolição da antiga igreja e hoje estamos aqui nesse lindo lugar”, acentuou.

O religioso relatou que, ao chegar em Bagé, achou a cidade maravilhosa. E recordou que, na rodoviária, sabiam onde moravam os freis Capuchinhos.

Mãos na massa

Obras sociais surgiram pelas mãos de frei Durval. Para a construção de uma escola de três andares, considerada modelo, o religioso carregou tijolos e preparou a argamassa. A instituição de ensino tinha consultórios odontológico e médico e uma banda. Muraro lembrou que os primeiros computadores que a escola recebeu foram doação da RBS.

A reportagem perguntou se ele passou por algum momento triste a ponto de pensar em ir embora de Bagé. O frei parou, pensou e respondeu que nunca passou isso pela cabeça.

Foram longos anos à frente do Instituto de Menores, que acolhia crianças em situação extrema de pobreza de vários cantos da cidade. O religioso lembrou que, quando chegou, eram em torno de 12 crianças, que foram abraçá-lo. “Fui acolhido por eles”, recordou.

Muraro já tinha trabalhado com menores em Porto Alegre, e por isso se sentiu em casa. E, no meio desse caminho, surgiram muitas ofertas para que ele deixasse Bagé, mas sempre optou por ficar.

Momento mais feliz

Uma máquina impressora que atravessou o Oceano Atlântico em um navio foi o auge para o religioso que tinha intenção de formar técnicos – mas para isso era necessário esse equipamento, que veio da Alemanha.

Para concretizar esse sonho, tudo começou quando Muraro recebeu a visita de uma colega que lhe deu o endereço de uma companhia alemã. Com a ajuda de uma senhora que falava alemão, escreveu uma carta relatando que, em Bagé, tinha um local com crianças e adolescentes e a intenção era formar técnicos, mas para isso era necessário algumas máquinas para aumentar a gráfica. “Para minha alegria, recebi resposta que sairia da Alemanha um navio com destino ao Rio Grande do Sul com uma máquina impressora e outras duas máquinas pequenas, que poderiam ser usadas na gráfica, mas eu tinha que conseguir a liberação do maquinário na alfândega e assim eu fiz”, recordou.

Quando Muraro chegou no Instituto de Menores, havia uma marcenaria e, em uma sala, uma pequena gráfica. O frei disse que era ambicioso e queria fazer da gráfica um lugar para sustentar o Instituto de Menores. A partir daí, o trabalho foi sendo trilhado até surgir a gráfica hoje conhecida em toda a região. O religioso enfatizou que, nessa empreitada, quem o auxiliou foi o Exército e o comércio em geral.

O frei lamentou o fechamento do colégio, por parte do Instituto de Menores, que passou a ser gerido pela Prefeitura.

Pé na estrada

O religioso recebeu muitos reconhecimentos ao longo dos anos em Bagé, pelo trabalho nas obras sociais. Muraro destacou um deles, que foi o Título de Cidadão Bageense. “Eu só tenho a agradecer a esta cidade que tanto me acolheu. Vou levar, para sempre, Bagé no meu coração”.

O frei comentou que a decisão de ir embora de Bagé não foi dele, e sim em razão da idade. Ele disse que, ao 95 anos, está enfrentando problemas auditivos e visual. Confidenciou que precisa de auxílio para colocar o aparelho auditivo e às vezes até para colocar os óculos

Frei Muraro vai morar na Fraternidade Imaculada Conceição, em Caxias do Sul. A missa de despedida presidida pelo bispo dom Frei Cleonir Paulo Dalbosco será no dia 25 de dezembro, às 19h30min, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição .