‘Você se torna corajoso a medida que reconhece em si a paternidade divina’  MP

Este sou eu

Fiquem certos: para se assumir gay, em um Estado machista como o nosso Rio Grande, bem como em um dos países que mais mata homossexuais no mundo, preciso mesmo é ser muito macho, caros leitores. Pois Eduardo Leite, ao expor publicamente sua orientação sexual, mostrou tal coragem de forma elegante e categórica. Quantos políticos gays precisaram casar, constituir a “tradicional família brasileira” para não verem suas carreiras arruinadas? Quantos foram os que sofreram calados a dor de não poder viver, apenas existir, diante das ameaças morais e físicas de uma sociedade desumana? Assim como Eduardo, pertenço à década de 1980. Não bastasse nascer gay nos domínios conservadores sulinos, considerem nascer nesses domínios e, ainda, na cidade mais gaúcha – para não dizer machista – de todas, Bagé… Bem-vindos à minha história. Hoje falo abertamente sobre o assunto, mas, acreditem, nem sempre fora assim. Tive medo. Muito medo. Imaginem apanhar dos colegas na escola e escutar do professor: “muda teu jeitinho que eles param de te bater”; imaginem os pais dos teus amigos dizendo a eles para que não estacionassem os carros na frente da tua casa porque “ficaria mal para imagem da família” – o negócio era dobrar a esquina e chegar a pé; imaginem quão constrangedor entrar nos ambientes e sentir a energia de risinhos e deboches até mesmo de quem se diz “amigo”… Machuca. Machuca muito, acreditem. A criança que sentava sozinha no recreio, com sua merendeira sobre pernas trêmulas cresceu para, agora, dar seu testemunho diante da mesma sociedade que a feriu. A criança venceu. A criança, sou eu. Lembram do professor citado há pouco no texto? Pois é, hoje diz: “sempre foste um aluno brilhante; um dos melhores”. Lembram dos pais dos amigos e seus carros? Me tratam com deferência britânica fingindo demência. Tenho orgulho de ser quem sou. Tenho orgulho de ter nascido no campo encilhando cavalo (xergão + carona + basto + cincha + pelego + sobrecincha) e poder falar abertamente sobre a sensibilidade que move minha alma. Sou um ser humano igual a todos os demais, movido por dores, alegrias e que busca, incansavelmente, tornar-se merecedor de contemplar a face de Deus…